De acordo com os principais meios de informação, o óleo de canola seria uma alternativa barata ao azeite (óleo de oliva) extra-virgem. Por ser composto primariamente por gorduras monoinsaturadas (assim como o azeite), ele vem sendo divulgado como um óleo alimentar "saudável" e sem efeitos prejudiciais ao organismo.
Pois bem, um novo estudo científico veio para dar fundamento a determinadas suspeitas, mais especificamente no que se refere à saúde do cérebro e à probabilidade de ocorrência de doenças como o morbo de Alzheimer.
Animais de laboratório foram divididos em dois grupos e acompanhados durante 6 meses: o primeiro grupo recebia alimentação regular, enquanto o segundo tinha sua dieta suplementada com óleo de canola. Os resultados da pesquisa, realizada por cientistas da Faculdade de Medicina da Temple University (Filadélfia, EUA), foram publicados em dezembro/2017. |
Foi constatado que[1]:
- os indivíduos alimentados com óleo de canola apresentaram redução de memória e menor capacidade de aprendizado;
- os cérebros dos indivíduos alimentados com óleo de canola apresentaram evidência bioquímica de reduzida integridade sináptica (continham quantidades menores de uma proteína vital para as sinapses cerebrais).
CANOLA = CANadian Oil Low Acid
Ao contrário do que muita gente pensa, não existe nenhuma espécie vegetal natural chamada canola.
O que existe na natureza é uma planta chamada colza (brassica napus), da qual se extrai um óleo que contém altas quantidades de ácido erúcico. O problema é que o ácido erúcico afeta negativamente o metabolismo do coração[2], tornando o óleo de colza inapropriado ao consumo alimentar. |
Para procurar contornar esse problema, pesquisas de modificação genética realizadas no Canadá desenvolveram, a partir da semente da colza, variantes híbridas da mesma contendo no máximo 2% de ácido erúcico. É desses organismos geneticamente modificados (OGMs), e não da colza, que é extraído o óleo de canola.
Dessa forma, a palavra "canola" é na realidade um acrônimo que significa, traduzindo do inglês, "óleo canadense com baixo teor de ácido". |
Mas... como esse óleo desenvolvido no Canadá e obtido através do processamento de OGMs conseguiu entrar em cena como protagonista da dieta alimentar de milhões de pessoas ao redor do globo, inclusive no Brasil?
Interesses econômicos
A partir da década de 1980 começaram a surgir cada vez mais estudos apresentando evidências que contradiziam a tese até então promovida (erroneamente) pela Associação Americana do Coração de que os óleos poliinsaturados, como os de milho e de soja, faziam bem à saúde humana (para um maior aprofundamento sobre esses óleos, clique aqui).
Entretanto, passar a promover a ingestão de gorduras realmente saudáveis como os óleos de oliva e de coco não seria lucrativo para o setor agroindustrial norte-americano. Foi aí que entrou em ação a sua engenhosidade comercial através da promoção de um novo óleo "saudável" produzido na América do Norte, rico em gorduras monoinsaturadas e contendo quantidades significativas de ômega-3. |
A indústria foi astuta em aproveitar a crescente preocupação das pessoas com uma alimentação saudável, comparando supostos benefícios do óleo de canola àqueles já comprovados do azeite. Afinal, o azeite extra-virgem é bem mais caro, embora o óleo de canola seja mais caro do que os óleos poliinsaturados: bom negócio... para os produtores!
Ciência
Mas o estudo recém-publicado pelos cientistas da Temple University joga um verdadeiro balde de água fria na pretensão dos promotores do óleo de canola (negrito nosso)[1]:
"Nos últimos anos, o consumo de óleo de canola aumentou devido ao menor custo comparado com o óleo de oliva e à percepção de que ele compartilha seus benefícios para a saúde. No entanto, não há dados disponíveis sobre o efeito da ingestão de óleo de canola na patogênese da doença de Alzheimer (DA)." |
"Nossas descobertas não suportam um efeito benéfico do consumo crônico de óleo de canola em dois aspectos importantes da fisiopatologia da DA, que incluem deficiências de memória, bem como integridade sináptica. Embora sejam necessários mais estudos, nossos dados não justificam a tendência atual de substituição do óleo de oliva pelo óleo de canola."
Em entrevista, o pesquisador-chefe Domenico Praticò (professor dos Departamentos de Farmacologia e Microbiologia) acrescentou[3]: "Embora o óleo de canola seja um óleo vegetal, precisamos ter cuidado antes de dizer que ele é saudável. Com base nas evidências deste estudo, o óleo de canola não deve ser considerado equivalente a óleos com benefícios comprovados para a saúde."
Óleos de oliva e de coco: saúde de verdade
Vale notar que essa mesma equipe de cientistas da Temple University também já havia investigado os efeitos do óleo de oliva extra-virgem na saúde do cérebro, obtendo resultados completamente diferentes daqueles do óleo de canola.
Em estudo publicado em junho/2017, a equipe chefiada pelo Dr. Praticò constatou que o consumo de azeite extra-virgem protege a memória e a capacidade de aprendizagem, e reduz a formação de determinadas placas e emaranhados neurofibrilares no cérebro que são marcadores clássicos doença de Alzheimer[4]. |
E os pesquisadores foram ainda mais longe, identificando os mecanismos subjacentes aos efeitos protetores do azeite extra-virgem: "Descobrimos que o azeite reduz a inflamação cerebral, mas, o mais importante, ativa um processo conhecido como autofagia", comentou Praticò[5]. Autofagia é a maneira através da qual as células eliminam determinados detritos intracelulares e toxinas que poderiam vir a desencadear efeitos prejudiciais, como por exemplo a doença de Alzheimer.
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Quanto ao óleo de coco, dentre seus inúmeros benefícios à saúde incluem-se efeitos positivos no funcionamento do cérebro: estudos clínicos já demonstraram sua eficiência a nível cognitivo em pacientes com Alzheimer. Pesquisadores da Universidade Católica de Valência (Espanha), por exemplo, constataram que pacientes suplementados com óleo de coco apresentaram significativa melhora nas funções cognitivas, com particular menção no que se refere à orientação espacial e à construção da linguagem[6,7].
Povos do mediterrâneo e da polinésia passaram literalmente milhares de anos consumindo, respectivamente, óleo de oliva e óleo de coco - e gozando de ótima saúde. Talvez devêssemos usar a tecnologia moderna não para satisfazer determinados interesses econômicos (que colocam no mercado produtos de segurança questionável), e sim para produzir com maior sustentabilidade e ainda maior eficácia substâncias naturais acima de qualquer suspeita.
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REFERÊNCIAS
- Lauretti, E., & Praticò, D. (2017). Effect of canola oil consumption on memory, synapse and neuropathology in the triple transgenic mouse model of Alzheimer’s disease. Scientific Reports, 7(1).
- Heijkenskjöld, L., & Ernster, L. (1975). Studies of the Mode of Action of Erucic Acid on Heart Metabolism. Acta Medica Scandinavica, 198(S585), 75-83.
- https://medicine.temple.edu/news/canola-oil-linked-worsened-memory-and-learning-ability-alzheimers-disease-temple-researchers
- Lauretti, E., Iuliano, L., & Praticò, D. (2017). Extra-virgin olive oil ameliorates cognition and neuropathology of the 3xTg mice: role of autophagy. Annals of Clinical and Translational Neurology, 4(8), 564-574.
- https://medicine.temple.edu/news/extra-virgin-olive-oil-preserves-memory-and-protects-brain-against-alzheimers-disease-new
- Yang, I., Ortí, J., Sabater, P., Cayo, A. M., Castillo, S., Rochina, M., Ramón, N., & Montoya-Castilla I. (2015). Aceite de coco: tratamiento alternativo no farmacológico frente a la enfermedad de Alzheimer. Nutrición Hospitalaria, 32(6), 2822-2827.
- Ortí, J., Álvarez, C., Sabater, P., Cayo, A., Castillo, S., Rochina, M., & Yang, I. (2017). Influencia del aceite de coco en enfermos de alzhéimer a nivel cognitivo. Nutrición Hospitalaria, 34(2), 352.
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